segunda-feira, 21 de março de 2011

" E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar."
Do mestre Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 17 de março de 2011

Dura realidade

Todos a achavam poderosa. Achavam tanto que ela mesma chegou e pensar o mesmo. Mas agora, na sacada de seu apartamento, não era o que parecia.
Sozinha, como sempre, sua única companhia era um maço de cigarros. Maquiagem borrada, olhos vidrados, vazios, desprovidos de qualquer emoção. Lá estava ela. Onde estava todo o seu poder agora?
Seus olhos refletiam exatamente como se sentia. Afinal, eles não são o espelho da alma? Pois sim, ela se sentia vazia.

Ao longe se ouvia risadas, barulho de vidro sendo quebrado. Provavelmente haveria alguma festa por perto cheia de pessoas bêbadas. “Bom, pelo menos alguém por aqui está se divertindo” pensou ela.  Também pensou que essas pessoas poderiam ter uma vida pior ainda do que ela tinha, e bebiam para esquecerem os problemas. “Fracassados, todos eles, todos nós.”

Em momentos como esse, se pegava constantemente pensando sobre suas decepções amorosas e sua família, ou melhor, a falta dela. A essa altura da vida, pretendia ter filhos e um bom lar. Mas tudo que tinha eram casos de poucas semanas com garotos 15 anos mais novos que ela.  Era isso que compunha sua aura de poder. Mas não parecia suficiente agora.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Lá estava ela novamente. Sentada no sofá de seu apartamento, zapeando pelos canais na televisão, sem se prender a nenhum em especial. Seus pensamentos estavam longe, coisa que ela já estava acostumada, pois era rotina nas últimas semanas. Na realidade, fazia cinquenta e sete dias que ela não ouvia mais o barulho da chave na porta anunciando a chegada de certo alguém.

Foi tirada de seus devaneios com os ruídos de um trovão, anunciando a tempestade que estava por vir. Então tomou consciência de que, desta vez, não haveria ninguém para abraçá-la se sentisse medo no meio da noite, coisa que geralmente acontecia quando trovoava demais. Droga, já estava perdida em pensamentos e lembranças outra vez!

Estava ficando ensurdecedor. A chuva, os pingos batendo no vidro da janela, os trovões. Os lampejos de luz em meio à escuridão da noite a estavam cegando. O corpo todo doía de uma forma que ela achou que não doeria mais. Mas, em desastres amorosos, ela tinha PhD. “Daqui a dois meses, estarei assim por outro, aposto.” Ela achava que com ele seria diferente dos outros, ele era tão... ele! Tão perfeito, compatível com ela! Havia uma sintonia que ela nunca sentiu antes... Mas pelo visto, ele não parecia sentir o mesmo.

Levou um susto ao ser novamente tirada de seus devaneios. Mas não foram os trovões que a assustaram. 

Um barulho conhecido, agradável, reconfortante. Esperança tomou conta do seu corpo.
Permaneceu imóvel no sofá da pequena sala, a televisão já desligada. A chuva cessou. Completo silêncio.
Ela sentiu a presença na sala. Ela sabia quem era. Ela conhecia aquele aroma de perfume, cigarro e agora, roupa molhada.

“Eu acho que devíamos conversar. Eu... eu senti sua falta, você também sentiu a minha, querida?”


De repente não doía mais.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Incompletos

Ele percorre os mesmos trajetos que lembrava serem feitos por ela naquela época em que estavam juntos, talvez por pensar que é a melhor forma de não deixar as lembranças serem esquecidas. Ele quer e não quer esquecer! Ele precisa seguir em frente, mas não quer seguir sem ela.

Ela guarda as fotos no lugar mais improvável, pois não quer que ninguém saiba que ela as olha todas as noites, antes de dormir. Disse a todos que perdera as imagens, de forma displicente, fingindo pouco importar-se. Só Deus sabe o aperto e o frio que sente no coração cada vez que vê os sorrisos verdadeiros nas faces estampadas e eternizadas nos pedaços de papel.

Assim vivem os dois, separados, mostrando-se fortes e vivendo numa falsa felicidade, onde tudo é colorido e alegre. Só eles sabem a falta que o outro faz. Só eles sabem o cinza que preenche as noites que dormem sozinhos e notam a ausência ao seu lado, na cama. 

Só eles sabem.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O peso do passado.

Desiludida. Era essa a palavra que a definia perfeitamente. Sonhos quebrados, coração machucado de todas as formas possíveis. Se não era nisso, no que há mais ela podia acreditar? Tudo que idealizava ter e fazer fora posto de lado, não por ela, mas pelo destino que teimava em por pedras no seu caminho. Pedras essas que muitas vezes ela chutou para longe, na esperança de nunca mais ver. Mas sempre havia mais, nunca paravam de aparecer pedras para impossibilitá-la de conseguir sua realização pessoal. Era só isso que ela queria, seria pedir demais? Aparentemente sim. Pois se não, por que era tão difícil conseguir?



Havia todos os tipos de pedras. O passado era uma delas, e aparecia quase sempre para infernizá-la. Era insistente e acabou conseguindo seu espaço. A menina não conseguiu chutar essa, então decidiu que era melhor conformar-se e carregá-la consigo durante seu trajeto. Mas a pedra pesava tanto que acabou, por muitas vezes, atrasando o caminho que a garota tanto sonhava conseguir percorrer. Dentre todos os outros obstáculos, O passado era o único que agora faltava para chegar ao fim do seu trajeto. Só precisava se livrar dele e...  pronto! Parecia tão simples, fácil e rápido... Mas era tão doloroso, pois mesmo que ele trouxesse para si as más lembranças de um tempo que já fora tão especial, havia as boas recordações, aquelas das quais ela não poderia se desfazer, pois esquecer tais momentos vividos ao lado dele, seriam como nunca ter sido -mesmo que por um curto espaço de tempo-, feliz.


Não era como uma opção. Era uma escolha. Ou se colocava tudo de lado, como se não houvesse acontecido... Ou ficaria presa ali, no trajeto, para sempre.
 Tudo que foi motivo de estar vivendo, mesmo que mecanicamente, não poderia ser largado. Sem isso, o que seria dela? Porém, com todo o peso do passado, não seria possível terminar o caminho, e então conseguir sua realização. Oh, faltava tão pouco! (...)


Não. Doía demais ter que conviver com tudo que havia acontecido, mas doía muito mais fingir que nada aconteceu.

Largado, em meio ao nada, estava o corpo da menina, já sem vida. Mas em outra dimensão, vagavam duas almas, juntas, como se fossem uma só, em completo estado de êxtase por finalmente terem se encontrado.